Buddhismo e Política – 2

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Há um limite para o quanto um sistema político seja capaz de assegurar a felicidade e a prosperidade de seu povo. Nenhum sistema político, não importando o quanto ideal ele possa parecer, pode trazer paz e felicidade se as pessoas no sistema estiverem dominadas pela cobiça, ódio e ilusão. Além disso, não importando qual o sistema político adotado, há certos fatores universais que os membros dessa sociedade deverá experimentar: o efeito do bom e do mau kamma, a falta da real satisfação ou felicidade duradoura num mundo caracterizado por dukkha (insatisfatoriedade), anicca (impermanência) e anatta (ausência de um eu). Para o buddhista, em nenhum lugar do Saṁsāra há a verdadeira liberdade, nem mesmo nos céus ou no mundo dos Brahmās.

Embora um sistema político bom e justo, que garanta os direitos humanos básicos e contenha ferramentas de checagem e equilíbrio do uso do poder, seja uma importante condição para uma vida feliz na sociedade, as pessoas não deveriam desperdiçar seu tempo na busca sem fim por um sistema político derradeiro onde os homens possam ser completamente livres; pois a completa liberdade não pode ser encontrada em qualquer sistema, mas somente nas mentes que são livres. Para ser livre, um povo terá que buscar em sua própria mente e trabalhar para se tornar livre das correntes da ignorância e do desejo sedento. A liberdade no sentido mais verdadeiro somente é possível quando uma pessoa usa o Dhamma para desenvolver seu caráter por meio da fala correta e da ação correta, bem como para treinar sua mente a fim de expandir seu potencial mental e conquistar seu objetivo derradeiro, a iluminação.

Reconhecemos a utilidade da separação entre a religião e a política, e a limitação dos sistemas políticos no sentido de trazer paz e felicidade, entretanto há diversos aspectos nos ensinamentos do Buddha que têm correspondência próxima com a situação política atual. Primeiramente, o Buddha falou sobre a igualdade entre todos os seres humanos muito antes de Abraham Lincoln, bem como sobre as classes e castas como barreiras artificiais levantadas pela sociedade. A única classificação dos seres humanos, de acordo com o Buddha, é baseada na qualidade de sua conduta moral. Em segundo lugar, o Buddha encorajou o espírito da cooperação social e da participação ativa na sociedade. Este espírito é ativamente promovido no processo político das sociedades modernas. Terceiro, desde que ninguém foi apontado como sucessor do Buddha, os membros da Ordem devem ser guiados pelo Dhamma e pelo Vinaya ou, em outras palavras, pela Regra da Lei. Até hoje, cada membro da Sangha submete-se à Regra da Lei que governa e guia sua conduta.

Em quarto lugar, o Buddha encorajou o espírito da consulta e o processo democrático. Isso é mostrado na própria comunidade da Ordem, na qual todos os membros têm o direito de decidir sobre assuntos de interesse geral. Quando surge uma questão séria que demanda atenção, o assunto é colocado diante dos monges e discutido de uma maneira similar ao sistema democrático parlamentar usado hoje. Pode ser uma surpresa para muitos saber que os rudimentos da prática parlamentar dos dias atuais e que esse procedimento de auto-governo já estavam presentes nas assembléias dos buddhistas da Índia há 2500 anos. Havia mesmo um indivíduo cuja função designada era preservar a dignidade da assembléia. Um segundo indivíduo certificava-se de haver quorum. Os temas eram colocados na forma de uma moção, que então era aberta para discussão. Em alguns casos isso era feito uma vez, em outras três vezes, antecipando dessa forma a prática do Parlamento em requerer que um projeto fosse lido pela terceira vez antes de se tornar lei.

A abordagem buddhista com relação ao poder político é a moralização e o uso responsável do poder público. O Buddha pregou a não-violência e a paz como uma mensagem universal. Ele não aprovou a violência ou a destruição da vida, e declarou que não havia tais coisas como guerras ‘justas’. Ele ensinou: “O vencedor nutre o ódio, o derrotado vive na infelicidade. Aquele que renuncia tanto a vitória quanto a derrota é feliz e pacífico”. O Buddha não somente ensinou a não-violência e a paz, mas talvez tenha sido o primeiro e único mestre religioso a ir pessoalmente num campo de batalha a fim de impedir a erupção de uma guerra. Ele dispersou a tensão entre os Sakyas e os Koliyas que estavam prestes a travar uma guerra com relação às águas do rio Rohini. Ele também dissuadiu o rei Ajatasattu de atacar o Reino dos Vajjis.

O Buddha discutiu a importância e os pré-requisitos de um bom governante. Ele mostrou como um país poderia se tornar corrupto, degenerado e infeliz quando o chefe de governo se torna corrupto e injusto. Ele falou contra a corrupção e como um governo deveria agir baseado em princípios humanitários.

O Buddha disse certa vez: “Quando o regente de um país é justo e bom, os ministros se tornam justos e bons; quando os ministros são justos e bons, os homens em cargos superiores se tornam justos e bons; quando os homens em cargos superiores são justos e bons, os subalternos se tornam justos e bons; quando os subalternos se tornam justos e bons, o povo se torna justo e bom” (Anguttara Nikāya).

No Cakkavatti Sihananda Sutta, o Buddha disse que a imoralidade e o crime, tais como roubo, mentira, violência, ódio e crueldade, podem surgir da pobreza. Reis e governantes podem tentar suprimir o crime através da punição, mas é inútil erradicar o crime através da força.

No Kutadanta Sutta, o Buddha sugeriu o desenvolvimento econômico ao invés da força como forma de reduzir o crime. O governo deveria usar os recursos do país para melhorar as condições econômicas do país. Deveria embarcar num desenvolvimento da agricultura e da área rural, provendo ajuda financeira aos empresários e comerciantes, provendo salários adequados para os trabalhadores manterem uma vida decente e com dignidade humana.

2 comentários em “Buddhismo e Política – 2

    Índice « No Que Os Buddhistas Acreditam disse:
    6 junho, 2008 às 7:42 am

    […] Buddhismo e Política – 2 […]

    sebbaptista disse:
    12 junho, 2008 às 1:36 pm

    Budismo e politica.
    Os ensinamentos de Buda orientam como os governantes devem agir para o bem comum.

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